28/11/2016

O preço de ser diferente



     Obviamente somos todos diferentes, nascemos únicos. E quando se nasce com a convicção dessa diferença? Tenho um filho de cinco anos que me disse, dias atrás, que se sente uma criança diferente. Quando tinha exatamente a idade dele também tinha esse discernimento. Essa revelação, da semelhança (minha em relação a ele) e da diferença (dele e minha em relação aos outros), bem como da continuidade a partir do outro, me fez pensar nos mistérios da humanidade. Aquelas coisas que são do "além", e que, com o passar do tempo, aprendi a não tentar decifrá-las.
   Digo apenas que ser diferente tem um preço. Ao passo que envelhecemos, esse preço torna-se mais difícil de ser pago. Olhar o mundo e abraçar essa dor que emana dele é para quem está disposto em ouvir e ressignificar a sua própria angústia.   
"O Grito", de Edvard Munch,
    O preço que pagamos é de não sermos tão leves quanto aqueles que estão cegos por ignorância ou vontade própria. Pagamos também, coletivamente, por todos aqueles que fecharam os olhos e foram hipnotizados pelos gozos fúteis das suas vidas repletas de coisas e vazias de sentido. Seja feliz, coma, durma, acorde e trabalhe, mas haverá dias em que precisarás escolher. A escolha envolve angústia, e essa última pode trazer-lhe liberdade, mas antes terás de vivenciar os seus sintomas.
    Vivemos num mundo líquido, veloz e angustiado. Pouco se fala disso, muito menos nos damos direito aos lutos que necessitamos. A melancolia não vende. Todo mundo está alegre nas redes sociais. Mas estamos mais para a indiferença.
  Nada mais relevante, para mim ao menos, do que investigar a angústia e como ela pode ser vivenciada, talvez sofrida, porém necessária, para que possamos conhecer nossos limites e fazer ficção sobre nós mesmos.  “Conhece-te a ti mesmo” nunca esteve tão em alta, porém essa proposição revela em sua gênese a angústia. 

 Para ressignificarmos a angústia, pois angústia é sempre um estado de espírito diante de ..., sentimento que não mente, enrola a fala. Ela substancia todos as nossas grandes escolhas. Estar diante de tantas possibilidades, passando pela dor e pelo sofrimento de estarmos conscientes de quem somos, e decidirmos. Vivenciamos a angústia, como a a consciência de si mesmo. Essa consciência do ser-aí dimensiona-se por meio da diferença, do exercício de alteridade em relação ao outro. Para entender esse processo, pode ser interessante escrever sobre ele... é o que estou fazendo nessa crônica. 
Ser diferente passa por ter vivenciado diversos ciclos, de angústias e renascimentos. Poucas pessoas estão dispostas a pagá-lo. Não é bom nem ruim, apenas é....a angústia traduz a liberdade da existência que contamina o ser em geral, diz Sartre. A angústia é a abertura para o mundo, dizia Heidegger.