31/03/2014

A casa de dentro

Uma casa se constrói estando nela. De paixões e ódios, todos passageiros, em torno de sua construção. Uma casa retrata o potencial que temos de empreender em favor de um lugar. De uma casa todos precisamos. Um teto para morar, viver, uma residência. Não interessa se ela é a casa dos sonhos ou aquela alternativa possível, dentre as possibilidades, a casa é sua.
Se é minha, vou pintar com minhas cores favoritas, encher as paredes de quadros, decorar com o meu estilo, fazer aquele ambiente o local ideal para viver bem. Uma casa não se constrói apenas de paredes, teto, forro, portas e janelas. É necessário vesti-la, deixá-la aconchegante. Nada mais apropriado do que torná-la um retrato de quem a habita. Zen ou caótico, conforme o dia, é possível sentir o ambiente. No espaço físico há energias que transitam permanentemente. Também pode haver luz ou ser sombria, ser quente ou fria, tudo deve ser pensado para torná-la mais aconchegante.

A casa a qual habitamos, o nosso corpo, não é diferente. Também merece ser cuidada para tornar-se acolhedora para a nossa alma. Se descuidarmos da casa de dentro, sentimos como se tivéssemos um sinal de alarme soando dentro de nós. É preciso ouvi-lo antes que se transforme num problema de saúde. Cuidar de si é como regar as plantas no jardim, não podemos esquecer um dia sequer de regá-las. Também somos regados por alimentos saudáveis, exercícios para o corpo e movimentos para alma. É necessário movimentar a alma, refazer os significados, reconstruir a casa de dentro, quando suas paredes ameaçam despencar. A casa de dentro é mais importante do que a casa em que vivemos no plano físico, pois sem ela não podemos desfrutar de nada do que construímos.
Foto: Larissa Scherer

30/03/2014

Uma simples bolha de sabão


A bolha do mundo exterior pode estourar em apenas um segundo e retornamos ao estado puro da infância. Quem nunca sentiu-se tentado a sair correndo atrás de bolhas em parques e festas infantis. Quando criança, bastava fazer bolhas de sabão para a alegria nos contagiar e nos esquecermos de qualquer outro brinquedo. Estas brincadeiras simples que nos remetem à criança que existe dentro de nós e nos conectam com o estado natural, de não-pensar, estão bem além da limitação imposta por uma consciência incessante. Carrinhos de sabugo de milho, bonecas feitas de pano com roupinhas costuradas com carinho e criatividade, são tantos os exemplos lembrados, cada um com uma pequena estória para contar. Lembro-me que fiz uma máquina de lavar roupas e um fogão com embalagens que seriam jogadas ao lixo, fazíamos fogo de chão e cozinhávamos como gente grande. Casinhas construídas apenas com força de vontade e imaginação sem limites. Hoje compra-se tantos brinquedos, para tão pouco usufrui-los. E parece que, há tão pouco tempo, tinha-se tão pouco e um universo para criar. Desfiles com roupas antigas, clubes da árvore, manifestos em favor da ecologia, tardes passadas embaixo das árvores, entre as folhas, os galhos e os frutos. Caquis moles e duros, de chocolate preto e branco, bergamotas, laranjas do céu, de umbigo, araçá vermelho e amarelo, goiaba do mato, ariticum e tantos outros frutos, tirados do pé, conectaram-me,  e conectam-me até hoje, com a terra. A fruta da estação é aquela que o corpo precisa naquele momento, a natureza sabe tudo. Não é preciso pensar para estar conectado(a) com a natureza, basta deixar-se ir ao sabor do encontro. Dentro dos caquis existem sementes mágicas, ao abri-las podemos encontrar garfinhos ou colherinhas. Experimente. Quando não os encontramos, podemos seguir buscando, basta partir a sementinha ao meio com uma faca bem afiada.
Há uns dias atrás, subi numa figueira centenária, escondi-me do meu filho, por entre os galhos. Alguns segundos sentada em cima da árvore, bastaram-me para sair renovada. Existe um movimento interessante de buscar um retorno ao modo simples de viver, com menos consumo, menos coisas compradas, mais coisas criadas, recicladas, personalizadas e sentidas de fato. Marcar o instante com uma fotografia, partilhar o vivido de alguma forma, postar na rede social, por vezes, pode tornar-se mais importante do que viver o momento. Esta exigência social de fingir "ser feliz" o tempo todo, de partilhar como parte integrante talvez de sentir, de criar grandes momentos, com toda a pompa, para poder viver algo tão simples, de precisar de algo tecnológico para ser interessante... Será que algo não está se perdendo em meio a isto tudo? Não duvido que as bolhas de sabão logo passarão desapercebidas. A felicidade gratuita está sendo descartada. Eu ainda corro atrás das bolhas, feito uma criança.
Menina diverte-se com bolha de sabão no Parque Guell, em Barcelona. 
Foto: Larissa Scherer