Luar na praia de Cascais, Portugal. Foto: Larissa Scherer |
O dia em que a angústia foi embora. Quem sabe de volta para o
mundo de dentro, de um oceano que partiu ao teu encontro. Quem sabe nunca quiseste
deveras saber. Porque estavas tão preocupada, com o que pensava fazer com tudo
isso, embora, mesmo no fundo... Eu sentia suas mãos
suarem, seu cabelo embaraçado, seu perfume, como se naquele dia tu poderias passar
pela minha porta. E eu, à espera, com os olhos fixos no olho mágico. E sentia
os teus passos... O coração em disparada, olhos no relógio. Aumento o som do
Joy Division e afundo-me no “Love will tear us aspart”. Deitado no sofá
felpudo, em meio às minhas mantas azuis e cinzentas, meus livros empoeirados nas
estantes, alguns anos felizes, outros nem tanto, emaranhado em teus
pensamentos.
A louça por lavar, olho para os pés e imagino um caminho. Perplexo
de espírito, lúcido com o meu corpo, como o se o cotidiano fosse o eterno
despertar de uma longa e indeterminável existência. Embora afugentasse as
moscas, elas persistiam, zunzunando, em círculos... Me vejo,
por um segundo, caminhando até o topo da montanha: um pensamento fugaz me persegue: eu consegui. Fui fiel a mim mesmo, fiz
todas as tentativas. Dei o meu melhor, não é necessário desculpas. Você partiu e
fez parte de mim, inúmeras lembranças, partes das quais compusemos a nossa
história. A janela insiste em me chamar, vou ao encontro da lua cheia e do que
ela tem a me dizer. Vejo ao fundo, no escuro, o movimento das árvores que parecem traduzir
línguas remotas. Ouço o som do vento. As nuvens cruzam o céu iluminado. Não
tenho medo de nada. É tudo calmo e sereno. Escuto o relógio, compassadamente.
Já não vejo as horas passarem. Continuo absorto nos pensamentos que a noite me
trouxe, à espera do fim da angústia.
Mini-conto escrito na madrugada do dia 20/08/2013