20/08/2013

O fim da angústia



Luar na praia de Cascais, Portugal. Foto: Larissa Scherer

O dia em que a angústia foi embora. Quem sabe de volta para o mundo de dentro, de um oceano que partiu ao teu encontro. Quem sabe nunca quiseste deveras saber. Porque estavas tão preocupada, com o que pensava fazer com tudo isso, embora, mesmo no fundo... Eu sentia suas mãos suarem, seu cabelo embaraçado, seu perfume, como se naquele dia tu poderias passar pela minha porta. E eu, à espera, com os olhos fixos no olho mágico. E sentia os teus passos... O coração em disparada, olhos no relógio. Aumento o som do Joy Division e afundo-me no “Love will tear us aspart”. Deitado no sofá felpudo, em meio às minhas mantas azuis e cinzentas, meus livros empoeirados nas estantes, alguns anos felizes, outros nem tanto, emaranhado em teus pensamentos. 
A louça por lavar, olho para os pés e imagino um caminho. Perplexo de espírito, lúcido com o meu corpo, como o se o cotidiano fosse o eterno despertar de uma longa e indeterminável existência. Embora afugentasse as moscas, elas persistiam, zunzunando, em círculos... Me vejo, por um segundo, caminhando até o topo da montanha: um pensamento fugaz me persegue: eu consegui. Fui fiel a mim mesmo, fiz todas as tentativas. Dei o meu melhor, não é necessário desculpas. Você partiu e fez parte de mim, inúmeras lembranças, partes das quais compusemos a nossa história. A janela insiste em me chamar, vou ao encontro da lua cheia e do que ela tem a me dizer. Vejo ao fundo, no escuro, o movimento das árvores que parecem traduzir línguas remotas. Ouço o som do vento. As nuvens cruzam o céu iluminado. Não tenho medo de nada. É tudo calmo e sereno. Escuto o relógio, compassadamente. Já não vejo as horas passarem. Continuo absorto nos pensamentos que a noite me trouxe, à espera do fim da angústia.

Mini-conto escrito na madrugada do dia 20/08/2013

Sobre a impermanência



Abraçar o mundo no início de cada dia. É como se um domingo fosse o dia ideal para se nascer de novo. Pois a cada dia que o sol nos brinda com a sua luz, mesmo tênue, temos a oportunidade de renascer. Temos, diariamente, a energia que nutrimos. E nada como um dia após o outro, para termos a lucidez de que existe mais uma oportunidade de sermos, fazermos e, sobretudo, de ouvirmos. Pois não há sinais imprecisos, não existe oportunidade que passe mil vezes pela nossa frente. Se o anjo dorme, o som toca e o fogo aquece, é agora o momento. Não há uma segunda chance para a escrita existir.
Um dia eu acordei com vontade de abraçar o mundo. A premissa de que o sol nascerá todos os dias, é o que me alimenta para a possibilidade de um dia ainda poder escrever um livro, alimentar mais dúvidas filosóficas, conversar com gente instigante, plantar árvores com o meu filho e ensiná-lo a apreciar o sol nascer.
O que me alimenta é o alimento do espírito. E, além do corpo e da matéria, que necessita de alimento e aquecimento neste frio, prevalece um espírito inquieto, com seus afazeres domésticos à espera, que dedica o seu tempo, a sua alma e sua inspiração, a um agradecimento, pela possibilidade de abraçar o dia e aceitar o que não pode ser mudado e viver a meditação diária de existir.