27/10/2013

Das cinzas à rosa




Se um dia pudesse estancar o medo, a angústia e até as crises existenciais, também terminaria com o motor que produz e instiga as mudanças. Não existem pedras no meio do caminho que não sejam bem mais do que pedras. Algumas decepções são mais do que acepções a respeito de uma verdade somente minha ou tua. São propulsores de decisões, de entradas em espaços vazios, onde podemos estar, sem nenhum entendimento.
Quando o dia está cinza e, dentro de nós, impera a reflexão, observamos a noite fazer casa e o escuro talvez possa esconder uma paleta de cores inimaginável. Ao nos debruçarmos por uma constelação de possibilidades que podem nos instigar e até nos tirar do conforto ao qual estamos tão acostumados, intensificamos os nossos sentidos e podemos admitir que desejamos viajar, tocar o invisível e viver o que sonhamos, aquilo que de fato desejamos.
Os desejos são caminhos bifurcados, nos possibilitam tanto o prazer quanto o sofrimento. Podemos viver num limbo entre o receio do sofrimento e o anseio pelo prazer, ou apenas decidimos, por ora, sublimar o desejo. Desde as decisões mais simples, como ceder à tentação de comer um chocolate ou saciar-se com um jantar delicioso, porém muito calórico, até as decisões que estão ligadas a juízos morais e sociais, como a escolha de parceiros, ou a entrega a vícios sejam eles quais forem, caminhos que envolvam mais prazer e menos sacrifício.
Todas as escolhas são marcadas por anseios, metas, desafios, enfim, tantos nomes para um mesmo desejo inicial que se traveste de palavras rebuscadas. Um desejo simples que instiga uma motivação e esta, por sua vez, delibera uma ação que desencadeia outras... Somos surpreendidos com os nossos pensamentos porque estes desencadeiam ações, assim como quando o nosso lado racional impera sobre o emocional, em algum momento ficamos aturdidos com o que surge do lado obscuro, com o qual todos nós temos contato em algum momento de nossas vidas. Do tal inconsciente, aquele que desejamos afastar, atolados pelos deveres e estares comuns. Um belo dia, da avassaladora experiência, nasce uma rosa, de onde cinzas padeciam em silêncio.
Tantos paradoxos. E mesmo no sacrifício, pode-se sentir prazer. E mesmo no sofrimento, observa-se crescimento. Na escolha sempre reside um poder, uma potência que todos nós temos. A vida segue, enquanto novas cinzas acumulam-se e outras flores vão despontando, ciclicamente.

Fotografia: Rosa no Porto, Portugal. Larissa Scherer

19/10/2013

Nasce uma autora



"E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre;(…)" (Fernando Pessoa, in "Livro do Desassossego")


Era um vez uma guria que nasceu em uma cidadezinha pequena, no interior do Rio Grande do Sul, chamada Sobradinho. Cresceu e foi pra Capital. Lia muitas histórias. Os livros, aliás, eram o seu alimento primordial. Entretanto, também vivia muitas histórias.
Depois de alguns anos, aprendeu a hora certa para ouvir e contar. Ainda mais difícil foi o tempo de silenciar. Das histórias que ouviu, leu e daquelas que inventou pra si mesma... Dos romances que viveu, dos contos que a fizeram crescer, das crônicas que escreveu, do teatro tragicômico da vida que a amadureceu…pode-se dizer que, enfim, desaprendeu alguma coisa.
O presente é tudo o que temos, somos seres especiais se amarmos uns aos outros, nossos sonhos são possíveis, encarando a vida com o sentimento de "potência" do qual fala o filósofo Nietzche.
Com realismo, mas sem perder a criança criativa que vive dentro da gente.

De sobradinho em sobradinho, a guria ganhou o mundo. Dizem que as histórias tem início, meio e fim. Do início tem saudades, do meio vive simplesmente, do resto não tem certeza. Isso a amedronta, muitas vezes, entretanto, desafia-lhe a ser cada vez melhor. Nada a desconcerta mais do que ter o pasmo essencial de que nasceu hoje mesmo. Porque a guria considera-se eterna aprendiz do mundo. A eterna novidade do mundo, do Alberto Caeiro, inspira-lhe a sentir-se assim, nascida a cada momento com seu olhar nítido de girassol.
Ela acredita que todas as histórias são importantes e merecem nossa atenção, mas apenas aquelas que valem a pena merecem nossa consideração. Porque a vida, afinal, imita a arte. Ou como diria Woddy Alen, a vida não imita a arte, imita a má televisão.

A guria transformou-se em mulher. Teve inúmeras surpresas pelos caminhos por onde andou. Aprendeu que as pessoas podem estar afinal em nosso coração e não do outro lado do oceano. Escreve e reescreve a existência, incessantemente, como se pudesse transformar a realidade em imaginário e vice-versa. Do lar criativo, contido em seu nome, nasceu uma autora: Larissa.